segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Fotografia é arte?

Por Flavio Colker

Self portrait/Mapplethorpe
Cindy Sherman, 1977
JORGE SAYÃO ESTÁ NOS ESTADOS UNIDOS COMO VISITING RESEARCHER na Brown University e na Rhode Island School of Design, aonde pesquisa para escrever sua tese de doutorado sobre Giorgio Morandi e sua influencia na arte brasileira.

O conheci em seu curso sobre a natureza da arte e suas diversas definições, na EAV.

Até pouco tempo atrás, o fotógrafo não era um artista contemporâneo. A fotografia tinha o seu escaninho separado da arte. A arte fotográfica era algo atrasado, utilitário, romântico enquanto as artes plásticas lidavam com pensamentos mais densos. Mapplethorpe foi o primeiro a ter cotações em pé de igualdade com alguém que se denomina artista. Após ele, uma geração de alemães, belgas, americanos e brasileiros, emergiu enquanto “fotógrafos” dentro do Mercado.

Jorge estuda a expansão da arte e a incorporação de novos objetos ao seu campo. Logo, caberia a ele a pergunta: O fotógrafo faz arte?

Flavio Colker – Jorge, como você vê a valorização da fotografia dentro da arte?

Jorge Sayão – A arte é uma materialização do real, de idéias. A obra carrega idéias. Há uma tendência a ficar impressionado com a tecnologia que produz a obra mesmo que idéias antigas estejam sendo veiculadas. Isso em vídeo acontece com mais freqüência do que na fotografia. Essa é uma avaliação equivocada. Arte é o meio. Não há distinção entre forma e conteúdo, mas forma apenas, não significa valor. A fotografia, por estar ligada à representação, sofreu rejeição na arte, mas desde a pop art, ela e outros objetos vulgares começaram a ser reintroduzidos na arte.

Flavio Colker – Antes um artista utilizava a fotografia para produzir arte, enquanto o fotografo não tinha esse privilegio. Hoje, o fotografo passa ser vendido com o mesmo valor de mercado do artista. Fotografo= artista. Antes dos anos 80, fotografia era um meio absolutamente distinto da arte.

Jorge Sayão – A Funarte, por exemplo, tinha salas para fotografia e outras para a arte.

Flavio Colker – Então como é que fotógrafos passaram a ser assimilados como produtores de obras de arte?

Jorge Sayão – A partir da intencionalidade. Algo é feito para ser arte e não outra coisa. Poderia ser uma fotografia de moda, por exemplo, mas foi feito para ser arte, por um artista que sabe o que é arte, para ampliar a noção do que seria um objeto de arte. Essa expansão é uma condição da arte. Logo, a arte abre espaço para objetos que são produzidos com outros valores formais, desde que tenham a intencionalidade de ser arte.

Flavio Colker – Talvez essa passagem tenha começado com Mapplethorpe.

Jorge Sayão – Mapplethorpe foi o primeiro a ter fotos com valores de mercado equivalentes à pintura.

Flavio Colker – Parece, inclusive, que houve manipulação no mercado para se atingir tais valores.

Jorge Sayão – Não seria a primeira vez. O artista pode fazer o inverso também: trazer características do objeto de arte para dentro de uma revista de moda. Esse também é um ato de artista: instaurar um espaço de arte dentro de outro meio criando uma estranheza. Um parafuso dentro do sanduíche. A estranheza explicita os valores do meio, o que fica oculto. Amplia a consciência.

Flavio Colker – Sim! Eu diria que os ambientes vulgares como a revista e o cinema estiveram abertos a absorção de valores artísticos. A influência do surrealismo no cinema americano, do minimalismo nos retratos feitos por Richard Avedon. O surrealismo, aliás, é uma grande influencia fora do Brasil. Por que o Brasil rejeitou o surrealismo?

Jorge Sayão – O Brasil optou por uma arte construtiva. Havia uma vontade de construção. O surrealismo tem um caráter bélico, de maquina de guerra. O Brasil não teve a experiência da primeira guerra mundial.

Flavio Colker – Nem a America teve a experiência. Acho que passa pelo capitalismo, pela industrialização. Os surrealistas foram para América com o plano definido de serem abraçados pela indústria. Dali declarou que estava na América para isso.

Jorge Sayão – A Rosalind Krauss diz que a obra surrealista é antes de tudo a revista e não a pintura, a música e o poema. Os surrealistas desprezaram o ambiente de arte e foram para a geral: criaram o que conhecemos como valores artísticos dos meios de comunicação. O cinema brasileiro sofre com a ausência de surrealismo. Cinema é maquina de imagem. Os surrealistas entenderam a imagem como ninguém. Pensa em Terminator; Schwartzneger de Cyborg numa Harley Davison. Imagem.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Entre o possível e o imaginário, Diego Paleólogo


"Comecei a fotografar com 15 anos, quando ganhei minha Kodak Instamatic. Andava com ela para cima e para baixo, num ímpeto quase  documental. Em 2003, já na Escola de Comunicação Social da UFRJ (ECO-UFRJ), realizei meu primeiro ensaio, junto com uma amiga: narrativa imagética de uma vida fictícia, em PB, hibridizando aspectos da minha vida real a construções ficcionais.

Minhas imagens procuram lugares de conversão, intercessão entre o possível e o imaginário, diálogo de possibilidades. A manipulação digital, volta e meia presente, assume caráter cirúrgico: as imagens são tratadas para que se extraia delas alguma outra coisa, como no trabalho Terceiro tempo, construído através do tempo, memória e imaginário. A montagem e a colagem são técnicas utilizadas para produção de sentidos. O auto-retrato é uma forma de investigar o tempo, minhas questões pessoais, o corpo e minhas relações com a imagem fotográfica".

Diego Paleólogo, escritor, artista visual e editor da revista Minotauro.

http://infernocafe.wordpress.com/
http://diegopale.carbonmade.com/
http://www.flickr.com/photos/diegopale/

Diário

Flavio Colker

Dia de São Valentim



Your looks are laughable
unphotographable
yet your my favorite work of art

"My Funny Valentine", Richard Rodgers e Lorenz Hart.

"ME CUSTA MUITO CONVIVER COM A IDÉIA DE QUE ESTÁS MORTO. Havia sinais no ar, mas eu me recusava a aceitá-los....Não sei bem porque, mas na volta de Roma comprei, na estação de trem, o jornal La Republica. É morto il jazzista Chet Baker. E foi como se o trem saísse dos trilhos e penetrasse no transparente mar verde que via por minha janela esquerda....Na verdade havia perdido minha razão pela viagem. Porque uma das coisas que me moviam a suportar a rotina de malas, trens e hotéis, era o fato de poder passar horas, dias, perseguindo lojas de discos de todo o mundo, nas quais ia direto a seção jazz e a letra b.... lá você estaria cantando só para mim. E isso era tudo...... e ao fim de tudo, só consigo pensar em você cantando alone together. Você morreu numa sexta 13. Espero que alguém cuide de mim."

Matinas Suzuki, Folha de São Paulo, maio de 1988.

Cassiano Viana, 14 de fevereiro de 2011

Mentiras sinceras me interessam

“FOTOGRAFAR É APROPRIAR-SE DA COISA FOTOGRAFADA”, escreve Susan Sontag, em “Sobre fotografia”. Para Sontag, fotografar é atribuir importância. Cada foto - objetos de melancolia, convites ao sentimentalismo - é um momento privilegiado, convertido em um objeto diminuto que as pessoas podem guardar e olhar outras vezes, uma fina fatia de espaço bem como de tempo.

Para bom entendedor, meia palavra basta. A fotografia é tanto pseudopresença quanto prova de ausência. Meia verdade. Meia mentira.

Em “A Câmara Clara“, Barthes sugere que tudo o que uma fotografia é capaz de dizer é que "Isso é isso". Mas corrige o tempo verbal e recoloca: "Isso foi". Segundo Barthes, nunca veríamos a fotografia e sim aquilo a que ela remete, ou seja, o seu referente.

Segundo Barthes, a imagem fotográfica carrega, por um lado, o elemento studium (aquilo que desperta um interesse geral pela fotografia, um interesse da inteligência, da curiosidade, um afeto médio, seja pelas personagens, pelos locais ou fatos representados (“É o studium, que não quer dizer, pelo menos de imediato, estudo, mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma espécie de investimento geral, ardoroso, é verdade, mas sem acuidade particular.”); e o elemento punctum, que ultrapassa o deleite visual e as intenções do fotógrafo (“O punctum de uma foto é esse acaso que, nela, me punge (mas também me mortifica, me fere).”.

Proust, por sua vez, dizia que não se pode possuir o presente, mas pode-se possuir o passado.

Tudo isso me lembra Antônio Cícero:

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la./ Em cofre não se guarda coisa alguma./ Em cofre perde-se a coisa à vista./ Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por/ admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado./ (...) Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:/ Para guardá-lo:/ Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:/ Guarde o que quer que guarda um poema:/ Por isso o lance do poema:/ Por guardar-se o que se quer guardar*.

E Cazuza: “Mentiras sinceras me interessam”.

Por Cassiano Viana

*Guardar, Antônio Cícero

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Diário




Flavio Colker

Conversas com Sergio Werner

"ESTOU NA FRANÇA HA 11 ANOS, HÁ DEZ EM PARIS. Tanto a questão como vim parar em Paris, quanto como caí no Haiku (expressão interessante) são bases para pelo menos um conto. Eu poderia te dar as razões superficiais de como essas coisas acontecem (vim estudar na França e fiquei, fui a um evento sobre Haiku a convite de um amigo fotografo), etc. Sem querer nem chegar à sombra de alguém como a Susan Sontag ou um teorista de fotografia, encaro a fotografia como um descendente do Haiku (poesia japonesa). Muito da elaboração da fotografia é parecido, a questão do instantâneo, retrabalhar esse instantâneo, ir à essência.

Hoje em dia todo o mundo fotografa e eu sou apenas mais um. Fotografar tem que ser um prazer, e é ai que eu me coloco (como disse Kertesz, um fotografo dos anos 20-30, "Eu sou um amador, e quero ser sempre um amador."). A fotografia não é uma obrigação (tantos lugares a que eu fui e não bati uma só foto).

Faz alguns anos troquei minha reflex Canon por uma pequena Leica compacta, leve e fácil - talvez o ponto do Cartier Bresson, para ir comigo à qualquer lugar.

Um mínimo de técnica é essencial, e eu, particularmente, tenho muito pouca. Aprendi o que sei lendo e tentando. Depois de aprender duas ou três coisas sobre exposição, velocidade e abertura, foco, edição, o que eu li: composição em pintura e fotografia, os diários de viagem de Basho, outros autores de Haiku, "the intimate philosphy of art" do John Armstrong, ver pintura, ver fotografia e, se possível, com alguém para explicar.

Nunca tive contato com laboratórios, não tive tempo de me educar nisso, nem tenho onde ter um laboratório. Sempre senti uma certa inferioridade pelo fato de nunca ter colocado os pés num laboratório. Mas num certo sentido, sou filho do meu tempo. Tento me limitar a utilizar procedimentos que replicam o que foi feito até hoje em laboratório (procedimentos simples como o re-framing ou acerto da luminosidade, que são equivalentes ao tempo de exposição da ampliação, ou mais complicados como a solarização). Essa auto-limitação é um espécie de romantismo, claro, por que o digital permite e exige outras técnicas. Tenho experimentado com ampliações, mas não massivamente. Quero ficar melhor nisso.

Sou engenheiro de formação. Depois de mudar para Paris ataquei o lado linguagem. Eu acho que nessa ultima parte é que reside a verdadeira fotografia (mesmo se suas fronteiras sejam fluidas).

Muito do que eu fotografo hoje são imitações/inspirações. Exemplos:
a série de "Les Fleurs du Mal" me foi trazida por um livro de Matisse, onde ele ilustrou Baudelaire, "Les Balades du Dimanche" me veio dos diarios de viagem de Basho e "Inutil Paisagem" me veio de olhar pintura chinesa de paisagem (Shanshui). As fotos de viagem em geral não são inspiradas diretamente por ninguém.

E por aí vai".

Trechos do texto "Conversas com Sergio Werner", por Cassiano Viana

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Retrato, Fotografia e Identidade

Truman Capote, por Richard Avedon
O ASPECTO MAIS IMPORTANTE DA FOTOGRAFIA é definir a identidade de coisas e pessoas.

A fotografia deixa de ser apenas uma curiosidade científica e ocupação exótica quando a Kodak aparece com cameras e filmes em rolo.  Até então só familias de posses e posição podiam contratar retratos a um pintor. Após a popularização e massificação da fotografia ocorre uma transformação radical na maneira como somos identificados. Antes da Kodak, não eramos determinados pela fotografia.  Após a Kodak, tudo e todos serão identificados com imagens.

A fotografia não tem a subjetividade, a interpretação da pintura. A pintura nunca se identifica completamente com o Real. A pintura cria imagem, interpreta o olhar.  A fotografia passa a ser o Real.

A pintura é maleável a interpretação.  A fotografia é uma tecnica “dura” ; a perspectiva e o claro escuro são determinados pela camera. A fotografia revela algo intrinseco ao objeto.. independente do sujeito que olha. A fotografia é irredutivel de certa forma, não expansiva. O primeiros fotografos “de arte” disfarçavam a irredutibilidade da imagem fotografica com foras de foco diáfanos e cenários teatrais criando um atoleiro estilistico de climas e drama, guiados pela pior pintura. A fotografia era uma tecnica nova aguardando por uma nova sociedade, assumidamente cientifica, para revelar seus novos valores.  O seculo XX.

Os artistas de vanguarda entenderam que a câmera era a MATERIALIZAÇÃO DE UMA IDEOLOGIA. A camera não interpretava a priori, como fazia o pintor, mas “revelava” um duplo da visão, um outro aspecto dos seres e objetos ainda virgem de interpretações. Duchamp se deixou fotografar como mulher, Rose Selavy. Para os surrealistas, a camera fotografica era o seu principio e ideário materializado em objeto industrial  (se conhecessem a camera automatica, teriam ainda outro extase!).

Golden Boy/ Paul Strand
Paul Strand fotografou então as proprias cameras: elas eram o novo sujeito/ objeto. Nenhum artista jamais pintou um pincel. A mecanica e a objetividade eram uma vanguarda. A camera, um olho/ memoria capaz de ver de muito perto, de baixo, por cima, por dentro do tempo. Eram novos pontos de vista. Manuel Alvarez Bravo fotografou a morte: um corpo de um jovem assassinado, ao chão, sangue escorrendo da boca, a vida não mais presente.. e a beleza intacta.  O pais do sol e da morte.  As fotos de Bravo, sempre sob o sol forte. Alvarez Bravo encontrou o que os latino americanos sempre buscam desesperadamente: uma arte avançada de carater local.  A fotografia Mexicana.

Escusado/Edward Weston
Logo após Duchamp inverter um Urinol e nomeá-lo fonte, Edward Weston fotografou um vaso sanitario.  O titulo da imagem: Excusado. Weston tinha largado carreira comercial, mulher e filhos e se mudado para o Mexico com Tina Modotti. Excuse him… Tinha feito merda.  Latrina, merda, exilio,  marginalidade.  A privada de Weston, banhada em uma luz delicada, Duchampianamente, lembra as igrejas de adobe de Taos, do Novo Mexico. Inversão de expectativa e sentido.

Enquanto a vanguarda criava ambiguidade, a fotografia fazia parte de um projeto inverso: identificar tudo e todos de maneira inequivoca. Em muito pouco tempo passamos a ser identificados através de imagem em passaportes, carteiras de identidade, jornais, filmes, televisão.  Dominio absoluto da imagem fotográfica no cotidiano. A fotografia ganha total independencia da arte e constitui um novo conhecimento feito de frações de segundo aonde tudo que há se faz imagem e o mistério desaparece. A religião se torna obsoleta.  A fotografia é clara: imagens de balas de revolver atravessando o espaço, de fetos na placenta, dos anéis de Saturno, de soldados no momento de sua morte. A mulher mais bela, o feito mais audacioso, a guerra mais sangrenta, o ártico e antártico. A imagem se torna prova e evidência, não mais interpretaçao e subjetividade. A imagem passa a ser o conhecimento do Real, valendo mais do que mil palavras. 

Piss Christ/Andres Serrano
Como? Não pertencemos ao mundo de concepção judaico cristã aonde Deus, a verdade é palavra?  Como posso ser conhecido em imagem quando a consciencia e aquilo que sou é palavra? Do antigo testamento ao inconsciente psicanalitico cabe a palavra enunciar a verdade. A imagem não constitui verdade nos textos sagrados.  A imagem é superficie … e no entanto cria-se uma  sociedade de informação a base de “imagem documental”:  fotojornalismo, foto de identidade. Há uma expansão do ícone religioso, da materialização, do ídolo. A imagem fotografica, produto de uma sociedade cientifica, resultado da expansão  capitalista da Europa cristã é claramente um anti cristo(Piss Christ, de Andres Serrano faz sentido).

A SOCIEDADE DE IMAGEM É UM TRAVESTIMENTO, uma farsa aonde se pretende recuperar o paraiso perdido.  Todo o corpo e materia, renegados pela moralidade monoteista, passam a ser representados obsessivamente. Corpos e faces gigantescos no Times Square. Dos anuncios de lingerie a National Geographic, a imagem fotografica reproduz obsessiva e incessantemente a natureza.  A sociedade de imagem é ansiosa porque é uma sociedade de simulacros. Tudo é mostrado e nada é usufruido. A natureza é prometida em imagem e a promessa não é cumprida. É um acordo tácito: eu recebo a informação, o fato… mas não a coisa em sí. A imagem se torna exasperante. A imagem documento promete o saber e é incapaz de cumprir. Há uma inversão histérica da repressão aos sentidos com o oferecimento de imagens cada vez produzidas em maior velocidade.  A ficção necessária ao entendimento da vida, o mito, é desmoralizado por “documentos”e fatos. Em lugar da repressão aos sentidos, a ausência de sentido. Ausencia de identidade.

A fotografia revelou a sua vocação: aparato de controle e alienação. Moda , beleza, paisagem, jornalismo, festas de casamento e batizado. Villhem Flusser, em seu livro sobre a fotografia,  deixou claro que o fotografo trabalha para  ampliar a capacidade da maquina fotografica. Os sistemas avançados de fotometria por exemplo, se baseiam em milhares de fotos já realizadas. A memória do computador instalado na camera, compara a imagem enquadrada no visor com um arquivo de imagens impessoais “de qualidade” e regula a maquina.  Esse é o exemplo mais óbvio.  Fluss pensa como William Burroughs, muita gente na ficção cientifica e o pai de todos eles: Kafka. Já vivemos  a sociedade da Máquina, para alem do humano. Terminator. Extensões do corpo em vias de substitui-lo. Humanismo em conflito com a ascenção de robôs e cyborgs. O conhecimento se torna  informação que é coletivizada na internet em uma grande memoria coletiva, sem valores criticos; um cerebro tecnologico que mede a importancia de cada  assunto pelos hits no Google.  Trabalhamos para esse grande cerebro postando no Facebook, teclando no Google, no Youtube. O cerebro maquina dividindo sua satisfação em ser acionado com grunhidos e barulhinhos fofos. Quem assistiu ao Naked Lunch de Cronnemberg, percebe a assustadora analogia daquelas baratas/ maquinas de escrever repulsivas e seu prazer em serem  tocadas com a nossa navegação compulsiva na internet. As dadivas tecnologicas estão devorando os valores e significados da cultura.  Se Paul Strand, um humanista,  soubesse que a maquina se tornaria Senhor e o fotografo, servo, pensaria duas vezes antes de fotografá-la.



Susan Sontag, por Annie Leibowitz
Os fotografos bem sucedidos comercialmente em generos como o fotojornalismo, moda, still life são refens do seu papel dentro da maquina social quando avançam as estéticas fotográficas. O fotojornalismo traz uma falsa inclusão para aquele que vê imagens da “realidade”(nome sintomatico de uma revista). Ele é excluido do mundo de ações. Ele é um espectador. Susan Sontag observou que quanto mais o individuo se vê diante de imagens documentais da violencia mais mais insensivel ele se torna. Quanto mais expostos as imagens de uma ignominia mais alienados nos tornamos do sentido daquela tragédia. O individuo inserido no fluxo de informação não age já que o mundo do qual ele tem tanta consciencia é sempre uma superficie, uma tela, imagem fotografica.

A segunda metade do seculo XX foi a falencia da individualidade através de sua exacerbação. O individuo para quem tudo aparentemente se dirigia entrou em colapso.  Não é a toa que as fotos de Andreas Gursky arrebataram a todos nós; o seu assunto é a multidão. Centenas, milhares de pessoas povoam suas imagens. Olhar para as suas fotos é uma epifania: tomamos consciencia da multidão como novo sujeito/ objeto da história. A contemporaneidade estimula um individuo a opinar, votar, participar … ao mesmo tempo o torna uma reliquia. Ele não é mais o objeto do pensamento e da arte e não é o sujeito da transformação. O livre arbitrio se tornou uma reliquia. Não é a toa a necessidade premente do Budismo e da Yoga. A alienação é tão extrema que adoecemos de tristeza e solidão.  Só o saber do corpo pode nos trazer um renascimento do espirito. O saber da imagem foi superado pelo saber da palavra em determinado momento da Historia porem esse saber se mostrou impotente para dar conta da desumanização. O saber do corpo é a nova fronteira, criada por artistas como W Burroughs, na era de Aquarius e liga o ser direto a materia sem se deixar enredar por necessidades de Estado. 

Nude/Helmut Newton
Com a rara exceção de Helmut Newton que mostra a conexão sexo> poder e coloca a mulher como mestre e escrava, os fotografos de moda se dedicaram ao Belo.. e produziram zero de conhecimento sobre o mundo. A arte produz verdade enquanto alegoria/ ficção.  A arte é revelação (assim como a fotografia) e jogo, como o xadrez. “As meninas” de  Velazques promove um jogo de olhares: Na cena retratada, o pintor faz um retrato os reis de espanha.  Eles, que presidem toda a ordem social, não aparecem. Vemos as meninas, as coadjuvantes. Exatamente como em uma foto de moda ou publicidade aonde vemos so coadjuvantes: modelos e produtos. Mas Velazquez mostra que a pintura é sobre os donos do poder. O espectador tem que agir sobre as peças daquele tabuleiro e interpretar o que esta sendo mostrado. Por que o fotografo de moda não ocupa uma posição de revelação do poder? Porque ele não cumpriria o mesmo papel de Velasquez revelando o tabuleiro social e o seu proprio papel em revistas como a Vogue? Talvez porque o poder seja a propria camera, a industria, a maquina… Talvez por isso os artistas contemporaneos enfrentam, se debatem com a perspectiva e a verdade da imagem fotografica. Quando deformam a perspectiva e adotam dois ou mais pontos de vista diferentes na mesma imagem ( Loretta Lux) ou incorporam varios tempos de exposição na mesma imagem como Gurski, Michael wasely e Sugimoto, criando imagens sem laços com a propria visão…eles  representam a propria fotografia.

O QUE SERIA UM RETRATO “BEM FEITO”? ENALTECIMENTO DE UMA PERSONALIDADE? O sujeito fotografado a priori é “carismático”, “inteligente” ou “sexy”.. O retrato nos meios de comunicação afirma o carisma de um individuo; o que quer que isso signifique. Um momento de ruptura se deu na coleção de retratos do fotografo Richard Avedon. Ele foi o mais potente produtor de elegancia, brilho e glamour de todos os tempos; capaz de criar auras radiantes para retratos e  glamour de extase para as paginas de moda. Em determinado momento, Avedon tem uma epifania e abandona o belo. Ele ataca as aparencias. Seus retratos de nomes celebres da sociedade americana se tornam opacos … de uma solidez repugnante.  A materia se torna repugnante. Avedon passa a utilizar uma luz dura, crua. A camera escolhida é pesada e lenta de operação. Ele cria imobilidade, peso nas imagens. O retratado sofre desconforto e insegurança.  A vida expressa nas imagens é desconfortável, terrivel.. um fardo. As imperfeições fisicas se tornam um assunto. A existencia é provaçao, um fardo. A imagem do homem não seduz. A personalidade é palavra e não imagem. Descrever o ser em retrato, em imagem não é possível.

Por outro lado Avedon é um americano e para os americanos a individualidade é o fundamento da sociedade. A psicologia do individuo é preciosa. A principio seus retratos parecem comentar a solidão, a tensão gerada pela existencia. Seus retratos parecem fundados e ligados a psicologia. O retrato seria o encontro de uma verdade comum a todos nós: o desconforto da existencia. Já seria algo proximo a moral monoteista mas Avedon vai mais alem.  Não sei dizer se foi ele o primeiro fotografo a encontrar esse ponto mas Avedon descobre um “furo” estrutural da fotografia: sua vocação para definir identidade seria um mito. Ele encontra uma dissociação de materia e espirito.  O Espirito está ausente da imagem. A fotografia não revela o brilho (e poder) do sujeito. Apenas carne, pele, osso e olhares perdidos. Há pouca identidade entre imagem e objeto.

O exemplo mais expressivo desse momento de ruptura é o retrato do escritor Truman Capote. Conhecido por sua verve espetacular, Capote é sucesso, encantamento e Glamour. Na foto de Avedon, é um homem de pele gasta e olhar opaco. O contraste entre imagem e poder, identidade… consciencia do retratado, é impressionante. Truman Capote não está alí! A inteligencia está em outro lugar.  A conversa brilhante não está alí. Avedon recusa os truques e não emposta no corpo de Capote uma identidade cliché. Aquele retrato não revela um homem e sim as proprias limitações da imagem na representaçao da identidade. Arte.
Eu duvidei da conquista de Avedon a principio. Seu status de fotografo celebridade  permitiria adotar uma postura gauche e produzir uma foto “ruim” de Truman capote . Seria um maneirismo, uma estetica “cool”.  Foi quando comecei a pensar os problemas da palavra x imagem que entendí como ele abandonou a estetica para reencontrar a ideia basica do monoteismo: a verdade do ser não se revela em imagem. Os retratos de Avedon reencontram a visão monoteista, judaica do sujeito no mundo.



Os alemães constituiram uma consciencia de cunho social. Marx escreveu sua teoria e projeto comunista para e sobre a Alemanha. A identidade é dada a partir do social na Alemanha. August Sander desenvolveu um projeto ambicioso: faria um retrato da Alemanha em retratos de individuos alemães . O projeto foi adiante até a tomada definitiva do poder pelo nazismo quando seu estudio e arquivos foram empastelados pela policia politica.  Sander fotografou os alemães colocados em sua posição na ordem social: o individuo de Sander exerce uma função. O pedreiro, o juiz, o estudante, o intelectual, o artista… a criança cega, o cigano. A humanidade de cada um dos retratados deveria emergir porem contida formalmente no uniforme e postura referente a cada função. Sander encontra um reflexo tenue, uma certa ambiguidade em relaçnao a esse papel mas o individuo parece estar adaptado, colocado em seu lugar. A hieraquia simplesmente existe ao mesmo tempo que um brilho do espirito humano. Aquela tenue transcedencia da materia.  Na coleção de retratos de Sander, o individuo não luta contra seu lugar no mundo. Sander é neutro em relação a hierarquia social e essa neutralidade é avançada. Um conservador?  Os fotografos de 1930 e poucos nos Estados Unidos, Mexico e Europa eram ligados ao socialismo e aos movimentos de transformaçao da hierarquia social. Não há crítica social em Sander, apenas reconhecimento.  Porque a repressão do Nazismo ao seu trabalho?  Foi por reconhecer ciganos, artistas, homossexuais, judeus na ordem alemã. Por representar a Alemanha sem consultar os Fascistas. Em uma de suas fotos, tres rapazes camponeses se dirigem ao mercado em dia de domingo. Eles estão em uma estrada enlameada, vestidos como cavalheiros,  dandis com bengalas e chapéus posando para a camera. A composição é simples. Sander não sugere nada além da contradiçao campo x cidade mas alí aparece de maneira elegante e sucinta um momento da historia alemã: a luz atraente da cidade sobre o campo, os valores urbanos transformando e  conquistando o coração dos camponeses. Essa imagem de Sander aparece em um documentario do cineasta Wim Wenders,  “Notebook on cities and clothes”, sobre o estilista Yohji Yamamoto nos anos 80. O designer tem as fotos de Sander como matriz inspiradora de suas coleções de moda e essa em particular é a que mais move sua inspiração. Em outro retrato de Sander, um jovem intelectual de olhar inteligente segura um cigarro entre dedos delicados... Eu me pergunto: Qual o estado de alma desse individuo? Não há psicologia na imagem, só a pose. Não sei se as figuras de Sander se sentem sós, se são alegres ou tristes. Existir, nesses alemães, se dá através de um lugar na sociedade e um lugar vale tanto quanto o outro:  todos eles são fotografados pelo mesmo angulo. Para Sander a observaçao é uma função da curiosidade e não do enaltecimento ou critica. Essa neutralidade antecipa os anos 80 quando aceitamos um individuo equilibrado entre determinação social e provação psicológica.  Até que Gurski e outros alemães da Escola de Arte de Dussseldorff abandonam de vez esse individuo dilacerado como motivo da obra de arte.

Thomas Ruff, companheiro de Gurski,  acabou com a identidade em suas imagens  alterando os rostos no computador, eliminando caracteristicas. Ele faz o mesmo nas fotos de exteriores de edificios, eliminando detalhes que atrapalhem uma imagem “ideal”do lugar. Huff procura a simetria nos rostos e na paisagem urbana.  A dieia de Belo e mesmo de arte está ligada a simetria e proporçnao., a luta contra o caos e a irregularidade do muhdo. Esse caos nõa nos deixaria a possibilidade de conhecimento e coerencia. A simetria é uma solução, um meio, um controle sobre o mundo.  A propria ideia de que o homem “naturalmente”procura a simetria é uma verdade cientifica para explicar a noção de Beleza. Ruff aplica essa ideia, levando a um extremo grotesco. Suas imagens nõa são bonitas, não criam identidade para os objetos mas sim para o fotografo: uma identidade de artista intelectual,  de critico de sua propria função: um destruidor de estéticas.

Johnny Depp e Kate Moss, por Annie Leibowitz
Americana, Annie Leibowitz vai no caminho exposto . Nos Estados Unidos, o individuo é antisocial. Os americanos glorificam seus outsiders: gangsters, crazies, beatniks, rockers.. Os idolos estão em luta contra a hierarquia. A sociedade é uma limitação para o indivíduo e toda a realizaçao plena se dá na realização de uma fantasia individual. Living the dream, como diz a expressão. Os Estados unidos são a terra dos imigrantes que cruzaram o horizonte, o oceano e encontraram uma nova identidade. A sensibilidade americana é tocada pelo individuo que supera aquela identidade fornecida pela familia, pela cidade pequena e cria uma outra, mais fiel ao seu desejo. Para realizar a transformação o individuo precisa de poder, através da violencia e da fama. Jesse James, Al Capone, Louis B Mayer, Madonna.  Esses indivíduos se reinventaram. Louis B Mayer passou de judeu imigrante, pobre, ignorante e humilhado a todo poderoso produtor de cinema, contador de estorias. Madonna? Elvis? Ao contrario da Alemanha, a America é o lugar da transformação individual. O papel do Americano é não aceitar um papel mas criá-lo.  A fotografia de Annie Leibowitz representa literalmete essa reinvenção do individuo.  Ela não só mostra o resultado, o individuo em sua nova pele mas tambem os instrumentos, o processo  de transformação. É a sua marca, São os tripes, as bordas de fundo infinito, os ventiladores aparentes nas fotos.  A luz artificial e a luz natural presentes na mesma imagem. A foto de Leibowitz é uma passagem.

As estrelas de Leibowitz interpretam a si mesmos em novos papéis. Assim como os imigrantes, os miseraveis se tornaram colonos, gangsters e produtores de cinema, os atores de Leibowitz se tornam colonos, cowbois e figuras da Disney. É a exasperação da fantasia Americana.  Whoopy Goldberg em uma banheira de leite, Demi Moore gravida, nua.. imagens de choque que se alimentam da reação puritana catapultando a fama e o poder dos atores. Representação gerando mais representação. A America é um imenso artificio. Annie Leibowitz é uma artista Americana por excelencia. Ela está falida. Deve fortunas aos bancos. Leibowitz se identifica com os americanos tambem nesse momento de quebradeira e falencia.

Ao refletir sobre esses fotógrafos, meu interesse é provocar um questionamento tambem sobre a ideia de imagem brasileira. A idéia sempre nos parece duvidosa. A imagem no Brasil não se afirma. A incapacidade de promover cidadania que se arrasta indefinidamente nessa sociedade se confunde com a dificuldade de produzir imagem… porem isso é uma falácia. A Italia gerou visualidade em quantidade e qualidade durante a idade média, renascença, maneirismo, barroco enquanto as massas viviam na mais abjeta miséria. Assim como a Alemanha, os Paises Baixos. A dificuldade para a visualidade deve estar ligada a posição de colonia como dizia Glauber Rocha. As missões francesas e holandesa produziram imagem no Brasil porem daí não resultou fundamento para a produção visual de desenvolver.  A maneira de ver, constituida na Europa e na America, quando chega aqui, se mostra incapaz de propor questão, de chegar ao sublime na paisagem ou no retrato. Ao contrario, a imagem no Brasil aparece sempre próxima do ridiculo. Nem satírica ela é… mas ridícula. A vanguarda contemporanea no Brasil é iconoclasta. A relação da arte de vanguarda com a paisagem não produz imagem mas um relato do transe, da penetração:  ser possuido pela paisagem, possuido pelo ambiente e pela multidão.  É uma arte do corpo. O carnaval, o neo concreto. A Face Gloriosa de Arthur Omar. Os penetráveis de Helio Oiticica.  O nome do disco mais radical de Caetano Veloso. A mata densa dos tropicos não deixa aparecer um horizonte. A mata tropical fechada, enigmática, enlouquecedora… Como o Congo de Joseph Conrad no Coração das Trevas. Enquanto na paisagem de Caspar Friedrich e Andreas Gurski o artista observa o horizonte,  o brasileiro está dentro da multidão. Qual imagem fotografica produzir em um pais que avançou tanto na geometria e abstração?

Por Flavio Colker
Para Jaime Carvalho