segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Mentiras sinceras me interessam

“FOTOGRAFAR É APROPRIAR-SE DA COISA FOTOGRAFADA”, escreve Susan Sontag, em “Sobre fotografia”. Para Sontag, fotografar é atribuir importância. Cada foto - objetos de melancolia, convites ao sentimentalismo - é um momento privilegiado, convertido em um objeto diminuto que as pessoas podem guardar e olhar outras vezes, uma fina fatia de espaço bem como de tempo.

Para bom entendedor, meia palavra basta. A fotografia é tanto pseudopresença quanto prova de ausência. Meia verdade. Meia mentira.

Em “A Câmara Clara“, Barthes sugere que tudo o que uma fotografia é capaz de dizer é que "Isso é isso". Mas corrige o tempo verbal e recoloca: "Isso foi". Segundo Barthes, nunca veríamos a fotografia e sim aquilo a que ela remete, ou seja, o seu referente.

Segundo Barthes, a imagem fotográfica carrega, por um lado, o elemento studium (aquilo que desperta um interesse geral pela fotografia, um interesse da inteligência, da curiosidade, um afeto médio, seja pelas personagens, pelos locais ou fatos representados (“É o studium, que não quer dizer, pelo menos de imediato, estudo, mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma espécie de investimento geral, ardoroso, é verdade, mas sem acuidade particular.”); e o elemento punctum, que ultrapassa o deleite visual e as intenções do fotógrafo (“O punctum de uma foto é esse acaso que, nela, me punge (mas também me mortifica, me fere).”.

Proust, por sua vez, dizia que não se pode possuir o presente, mas pode-se possuir o passado.

Tudo isso me lembra Antônio Cícero:

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la./ Em cofre não se guarda coisa alguma./ Em cofre perde-se a coisa à vista./ Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por/ admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado./ (...) Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:/ Para guardá-lo:/ Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:/ Guarde o que quer que guarda um poema:/ Por isso o lance do poema:/ Por guardar-se o que se quer guardar*.

E Cazuza: “Mentiras sinceras me interessam”.

Por Cassiano Viana

*Guardar, Antônio Cícero

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