quinta-feira, 31 de março de 2011

Fora do calendário

Por Cassiano Viana

EM 1989, O CINEASTA ALEMÃO WIM WENDERS rodou, a convite do Centro Georges Pompidou, um documentário sobre o estilista japonês Yohji Yamamoto. "The world of fashion. I'm interested in the world, not in fashion! But, maybe I was too quick to put down fashion”, diz Wenders, nos primeiros instantes de Identidade de Nós Mesmos (Notebook on Cities and Clothes).

E se moda e cinema têm algo em comum, o que dizer da relação entre moda e fotografia? O que dizer do impacto, para a moda, da fotografia de nomes como Richard Avedon, Helmut Newton, Patrick Demarchelier, Mario Testino e Annie Leibovitz? Como negar a importância do mercado editorial e de revistas como Vogue, Elle e Harper’s Bazaar para a moda?

A fotografia usa a moda ou é o contrário? Teoricamente, o propósito da fotografia na moda seria o mesmo de um catálogo: exibir roupas e vendê-las. Na prática, a fotografia desde sempre foi um veículo de expressão de grandes fotógrafos.

Julia Valle tem uma visão bem definida de seu trabalho e da relação entre fotografia e moda: “Eu faço roupa, e ponto final. Não tenho preocupação em fazer parte de um calendário de moda, em montar coleções de verão, inverno, em fazer a roupa que vai ser o hit da estação, às vezes nem tem a preocupação da roupa ser usada. Ela pode não ser usada também e ficar dependurada na parede”. Justamente por isso, Julia pode ser a pessoa indicada para falar, de uma forma não deslumbrada, sobre fotografia e moda.

O que te levou à moda?
Acho que foi o desgosto pela moda. Quando criança era meio contra tudo que estava em voga. Pra mim sempre estava errado o que as pessoas usavam, queria o contrário. A princípio eu achava que era desgosto mesmo pela moda, com o tempo fui descobrindo que era gosto demais. Como sou muito pequena, comecei a costurar minhas roupas, meu pai me ensinou o básico. Depois fui buscando aprender mais, cursos de corte e costura, livros, até que resolvi assumir aquela curiosidade toda e fui estudar estilo. E dai não teve mais volta.

Teoricamente, o propósito da fotografia na moda seria o mesmo de um catálogo: exibir roupas e vendê-las? (quando, na prática, a fotografia desde sempre foi um veículo de expressão de grandes fotógrafos).

Não acho que o propósito primeiro da fotografia na moda seja esse, mas hoje em dia quase tudo tem esse propósito, de fazer dinheiro. As marcas acabaram comprando a fotografia editorial pra si no intuito de agregar valor aos seus produtos e, no fim, vender mais, ou melhor. É tipo o hotel que compra a obra de um grande artista para colocar no hall de entrada. É como se fosse um aval de que a coisa é boa e vale a pena.
Acho que na essência a fotografia de moda é o que qualquer outra forma de representação artística de um universo ou momento histórico também é, capturar todo um cenário sociológico, cultural, político, etc, e transformar em uma imagem, estática ou não, e ganha valor quando é bela, para aquele tempo, para um tempo futuro, etc.

É o mercado editorial quem dita a moda? Quais as melhores revistas de moda? O que faz uma boa revista de moda?

Boa para quem?


Isso já é parte da resposta.

A gente precisa muito da imagem da fotografia de moda para apresentar propostas/ambientação e moods de coleção. Como e porque usar o que foi desenhado, sem essas imagens, ainda que tenhamos desfiles, é bem complicado. O mercado editorial já ajuda muito mais na formação de tendências de uma coleção que efetivamente promove vendas. Temos um bocado de publicações de moda, e talvez seja ate a área que mais conta com publicações tanto aqui quanto fora. Eu adoro as revistas tipo moda moldes e manequim, por exemplo.

As mais confiáveis são ainda as internacionais licenciadas no Brasil, como Vogue, Elle e L'Officiel. As de moldes são ótimas para o publico que não tem poder aquisitivo pra comprar marcas, mas que detém o conhecimento de corte e costura, então podem reproduzir rapidinho o que estava nas passarelas. Essas pops são confiáveis porque já fizeram uma filtrada boa do que acontece tanto aqui quanto fora, tem o aval das editoras internacionais (que querendo ou não ainda são as grandes ditadoras de moda no mundo). São boas para interessadas no assunto, mas que não querem ter que digerir e processar cada imagem que vêem.

A fotografia usa a moda ou a moda usa a fotografia?

Tem um preconceito generalizado com a moda. A gente ainda demora um tempo para conseguir fazer a arte têxtil ser reconhecida como arte. E por mais que já existam exposições de indumentárias em museus de historia e artes aplicadas, o numero de fotógrafos de moda que conseguem esse status de artista é ainda muito maior.
A fotografia já tem o reconhecimento há muito mais tempo, até no numero e tempo das academias que oferecem cursos de graduação/mestrado/doutorado na área da fotografia. Por mais que seja já quase secular em alguns países (tipo França), a moda ainda esta bem no começo. Pensa no Brasil, nossa primeira escola de moda não tem muito mais que 20 anos.
Gosto muito da construção da roupa, do tanto de significações que cada peça carrega, de tecido, de modelagem...Acho que é o foco do meu trabalho. Na minha produção autoral eu não falo de moda.

Por que você diz: “Na minha produção autoral eu não falo de moda”?

A moda está sujeita a todas essas sazonalidades de estilo, estações, tendências, modas, e é isso que define uma roupa como moda. O Roland Barthes tem umas categorizações muito duras, mas que eu acho ótimas. Falar de moda é falar de uma peça de roupa que tem um tempo de duração. Eu faço roupa, e ponto final. Não tenho essas preocupações em fazer parte de um calendário de moda, em montar coleções de verão, inverno, em fazer a roupa que vai ser o hit da estação, às vezes nem tem a preocupação da roupa ser usada. Ela pode não ser usada também e ficar dependurada na parede.

Mas a fotografia, as revistas de moda não seriam um primeiro clique, quando o guri ou guria pega uma Vogue e pensa: quero fazer isso!

Talvez. Talvez goste de tecido. Talvez goste de USAR roupa. Talvez goste de costura. Talvez goste de COMPRAR roupa. Acho que tem um bocado de razões. Antes de entrar efetivamente no mercado, até mesmo dentro da faculdade, acho que os estudantes brasileiros não têm uma noção tão clara do que é ser profissional de moda. Fazer moda não é só estilo.

Se você fosse escolher um fotógrafo, de qualquer tempo, para fotografar a teu trabalho, qual seria?
Guy Bourdin ou um amigo que eu adoro, o Gustavo Marx.
Fotos Patrícia Rezende

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