terça-feira, 3 de maio de 2011

Happy Birthday, Mister Colker

Por Cassiano Viana

A primeira vez que ouvi falar de Flavio Colker foi na década de 80, consumidor voraz que eu era de toda e qualquer informação disponível nas capas de discos e créditos de revistas. Depois, já nos tempos da faculdade, um grande amigo, a quem sempre deverei grande parcela da minha capacidade de discernimento e apreço pela arte, confirmou: “Sim, Flavio Colker é um grande fotógrafo. Um dos melhores”.Coisas da internet e nada que o tempo não resolva: eu devia a mim mesmo esse texto/entrevista elaborado a partir de algumas mensagens trocadas aqui no Facebook.

Quando e como você começou a fotografar?
Com 12 anos. Eu gostava de máquinas, era obcecado com relógios. Mudei a tara para máquinas fotográficas. Continuo tarado por máquinas, bicicletas, carros. Agora, porque eu continuei fotografando, sinceramente não sei.

Mas 12 anos não é muito cedo para fotografar? Geralmente a fotografia é algo que ocorre depois (creio).
Eu não jogava futebol. A partir daí, o sujeito é anormal. As fotos que eu faço agora são parecidas com o que eu fazia aos 12 anos. Não cresci.

Eu também não jogava futebol. Mas aos 12 fui para a música, tive banda de rock. As fotos que você tirou do rock nacional nos anos 80, início dos 90, são históricas.
Obrigado.

Fotografia é memória?
É uma espécie de dramaturgia.

Dramaturgia da memória?
Não, só memória. A matéria da fotografia é uma cena. Ou a cena é dada pelo acaso ou você a faz acontecer, como na foto de moda. Mas o acaso é a maior potência na fotografia. A fotografia tem o dedo surrealista, a impressão digital.

Mesmo o registro familiar?
Toda fotografia. O acaso é a maior força criativa dentro do tempo. Fotografar bem é observar o acaso. Os aparatos formais da fotografia são pouco importantes.

Onde entra a técnica?
No controle das texturas, no observar a luz. A câmera faz quase todo o processo. Não é como tocar guitarra, esculpir ou pintar. Quando existia laboratório, o processo era mais físico, o filme bem revelado tinha punch. Difícil é se movimentar bem. Cartier Bresson se movimentava rápido. Mas o importante é reconhecer a cena, fazer um conjunto de cenas, construí-las, sugerir uma narrativa.

Aquela capa pro Caetano [Caetano, de 1987] é um puta exemplo disso.
Eu reproduzi um desenho do Luiz Zerbini. A idéia é dele. Calhou de eu estar fotografando com aquelas perspectivas, as cores, o assunto sem foco. Eu tinha visto alguns planos num filme do Leo Carax, fotos do Anton Corbjin, do Mauricio Valadares e a partir daí fui reencontrar a lente normal e o 35mm. O Zerbini apareceu com o desenho para a capa e era muito natural, casava com o que eu fazia. Olha como o acaso é importante. Fiz uma serie de fotos assim para moda.

Qual a razão da fotografia?
Eu até hoje fotografo para deixar tudo mais leve. A fotografia é do Afetivo. O Barthes fala isso e os fotógrafos que mais me marcaram tinham isso: a motivação era a atração. A luz do sol é potencia maior do que o estúdio. O acaso maior do que o projeto. Eu dou aula e os fotógrafos com formação profissional perderam o contato com o mais interessante do ato de fotografar. Ficaram estetas, quando na fotografia é o assunto que interessa.

Como a literatura, a música, o cinema, entraram (e entram) no teu trabalho?
Através do retrato. As palavras e as imagens são mundos a parte. Os músicos, bem, eu tinha informação, consciência de que os anos 80 eram o tempo para o simulacionismo. Desde Stray Cats a Cindy Sherman e chegando no Vik Muniz. Simulação ainda é muito forte. Entendia o glamour dos anos 30, 40, o pré-moderno, assim como podia dar a volta nas cores oficiais da Kodak. Eu tinha técnica, adotava vários estilos e era rápido. E as sessões de retrato eram rápidas. Os primeiros músicos eu conhecia, os outros vieram depois. Minha vontade era o cinema. Daí, comecei a dirigir clips. Tinha sido assistente de direção e conhecia o set, sabia cumprir um plano de filmagem. Cheguei a fazer um filme de media metragem que deu muito certo (Metal Guru). Mas, voltando a tua pergunta, foi a literatura que me deu a possibilidade de entender o simulacionismo. Eu era fã de Raymond Chandler, de Los Angeles dos anos 30. O cyber punk. Eu pude entender o zeitgeist graças à literatura. Li muito quando era pré-adolescente. Hoje eu preciso escrever.

Qual o impacto da fotografia digital na tua motivação? 
A fotografia digital me dá um enorme prazer. Torna tudo mais leve. As cores são muito mais fiéis ao que eu imagino e vejo. E a impressão em jato de tinta é muito bonita.

E a lomografia?
Lomo é superficial. Eu entendo o sujeito que é apaixonado por filme, Leica, Lomo, mas a fotografia está na cena e não na maquina, ou no fotografo. A máquina retarda a cena.

Eu acho que o lance da lomo é uma tentativa afetuosa de resgatar o romantismo, a experiência do laboratório, da química. De repente é uma necessidade de driblar o virtual, o digital.

Se dá prazer para o sujeito, ok, mas Lomo é efeito. Tem um puta fotografo de moda, o Terry Richardson, que usa uma Yashica, dessas que você compra na farmácia. Ele diz que é porque sempre sai em foco. Mais afetuoso porque é low tech? Acho que não. É nostálgico. Há um afeto pelas maquinas antigas, tudo bem, mas na hora de fazer arte essas coisas não são postas na mesa.

Você disse que hoje precisa escrever. Escrever sobre fotografia?
Pra começar.

E depois? 
Depois não sei. Vou fazer o que puder fazer direito. Já escrevi roteiros de cinema. O Facebook é uma escrita. Vai ser por aí. Uma costura de impressões, relacionamentos.

Eu acho a internet uma puta vitória da palavra.
Concordo inteiramente. No principio era o verbo e no fim também.

Rio de Janeiro, novembro de 2010.





Fotos Flavio Colker

4 comentários:

  1. "A fotografia tem o dedo surrealista, a impressão digital". Adorei essa frase e concordo muito com o colker sobre fotografia digital. Ela me fez voltar a fotografar "por prazer".
    PS também devo muito àquele amigo.

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  2. posta mais fotos do cazuza desse ensaio para o lp so viver a dois. são lindas as fotos

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