segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Sobre memória fotográfica, o fascínio pelas imagens, Wim Wenders e a inscrição na lápide de Ozu

“QUEM NOS GARANTE QUE ISSO QUE IMAGINAMOS que passou, se passou realmente?” (...) A única coisa verdadeira é a memória, mas, no fundo, a memória é uma invenção. (...) No cinema, a câmera pode fixar um momento, mas esse momento já passou, no fundo o que ela traz é um fantasma desse momento. Não sabemos se esse momento existiu fora da película, ou se a película é uma prova da existência desse momento. Não sei. Vivemos numa dúvida permanente, mas no entanto, vivemos com os pés na terra, comemos, gozamos a vida”. Manoel de Oliveira, sobre cinema e memória, em Lisbon Story, de Wim Wenders.

Comecei a fotografar porque, um dia, aos vinte-e-poucos anos, percebi o quase nenhum registro, em imagem, da minha família. Eu mesmo, pequeno, só apareço em umas quatro, cinco fotografias. Enquanto isso, Laura, em dois anos, (obviamente, graças à fotografia digital), tem centenas.

Minha primeira câmera - tenho até hoje - foi uma Minolta SrT 101, da Minolta, cujo fotômetro nunca funcionou. Essa câmera chegou em São Luís na década de 80, com o Barnabás Bosshart, fotógrafo suíço, radicado no Maranhão e depois passou pelas mãos de outros grande fotógrafos maranhenses - Edgar Rocha, Wilson Marques, Geraldo Iensen, Eduardo Julio e Rafael Bavaresco. Este último, gaúcho, também radicado no Maranhão). Todos, bons amigos e artistas da era pré-eletrônica e/ou digital.

“Eu estava lá com a câmera e fiz as imagens e estas imagens são hoje minha memória. Eu não consigo não pensar que, se eu tivesse ido lá sem a câmera, eu conseguiria lembrar melhor agora. (...) Tóquio foi como um sonho e hoje minhas memórias parecem inventadas como quando,após muito tempo, você encontra um pedaço de papel no qual você transcreveu um sonho na primeira hora da manhã. Você lê com assombro, mas não reconhece nada. COMO SE FOSSE O SONHO DE OUTRA PESSOA“. Wim Wenders, Tokio Ga.

Um dos livros que perdi em algum momento e que reencontrei é “Os olhos não se compram - Wim Wenders e seus filmes”, de Peter Buchka, lançado pela Companhia das Letras em 1987. Escrevi um artigo sobre Wim Wenders nos tempos da faculdade. Não tenho a menor dúvida de dizer que é meu cineasta favorito. Não só pelos filmes, mas pela identificação com as buscas (ou a busca) do cara. “Paris, Texas” é um filme excelente, mas creio que “Até o fim do mundo” representa melhor a fonte de inquietação do cineasta para além do estado das coisas: a crise da imagem, a crise do olhar.

(Recomendo a analise do filme "Paris, Texas" do site Tela Crítica)

Em “Paris, Texas“, Hunter, o filho dos personagens de Harry Dean Stanton e Nastassja Kinski, só realiza a família depois de ver fotos onde aparece junto aos pais. Em “Até o fim do mundo“, um homem percorre o mundo captando, com um aparato, imagens que irá transmitir depois para a mãe cega (impressionante como todas as sinopses que leio falam apenas do romance dos personagens de Willian Hurt e Solveig Dommartin).

Olhar é uma experiência única. Wim Wenders gostaria de filmar como alguém que apenas observa, sem querer provar nada (isso aqui me lembra muitíssimo a fotografia do Sergio Werner). Ao mesmo tempo, melancólico, em um Japão dominado por imagens sonâmbulas, diz: o nada é o que nos resta.

MU, o ideograma símbolo do vazio, o nada. A única inscrição na lápide de Ozu.



Em uma entrevista de Janela da Alma (de João Jardim e Walter Carvalho):

“Quando eu era crítico de cinema percebi que não valia a pena perder tempo com filmes que não me agradavam. Então parei de escrever sobre filmes de que não gostava (...) E como cineasta aprendi a mesma coisa (..) que realmente só queria mostrar e despender tempo com filmes, tomadas, atores e cenas que me agradassem. Simplesmente evitei filmar o que não me agradava. Então, não quero fazer mais nada que não seja, que não tenha origem em um ato de amor. E acho que o que quer que façamos por qualquer outra razão é perda de tempo“.

Em Notebook on Clothes and Cities ("Identidade de nós mesmos", documentário sobre Yohji Yamamoto):

“Elas [as imagens] mudam cada ez mais rápido e se multiplicam num ritmo infernal desde a explosão que desencadeou as imagens eletrônicas, as mesmas imagens que agora estão substituindo a fotografia. Aprendemos a confiar na imagem fotográfica. Poderemos confiar na eletrônica? No tempo da pintura, tudo era mais simples. O original era único, e toda cópia era uma cópia, uma falsificação. Com a fotografia e o cinema, a coisa começou a complicar. O original era um negativo. Sem uma ampliação, só existia o oposto. Cada cópia era o original. Mas agora, uma imagem eletrônica e, em breve, com a digital, não existe mais negativo ou positivo. A própria idéia do original ficou obsoleta. Tudo é cópia, todas as distinções se tornaram arbitrárias. Não admira que a idéia de identidade esteja tão enfraquecida. A identidade está fora. Fora de moda”.



Por Cassiano Viana

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